sábado, 14 de agosto de 2010

Dismenorréia

INTRODUÇÃO



Dismenorréia é definida como dor pélvica pré-menstrual, com ou sem associação com sintomas sistêmicos. Sua incidência é de até 72% em mulheres com idade de 19 anos, em uma população urbana, com utilização de tratamento clínico em até 32% e 8% de perdas no trabalho ou escola. As repercussões sociais e pessoais são inúmeras como diminuição das horas de trabalho/ presença escolar e outros. Sinonímia: algomenorréia, síndrome de dor menstrual, ou menstruação dolorosa ou menalgia.


CLASSIFICAÇÃO


A dismenorréia, de acordo com sua etiologia, pode ser classificada em primária ou secundária. Considera-se dismenorréia primária, ou essencial, os casos nos quais inexistem problemas orgânicos subjacentes. Nestes casos, o início da dor é normalmente a partir do segundo ano após a menarca, coincidente com o início dos ciclos ovulatórios2. A dismenorréia secundária tem nosologias orgânicas desencadeantes. Esta pode se iniciar em qualquer idade, e podemos vê-la associada a ciclos anovulatórios.


ETIOLOGIA


A dismenorréia primária foi bastante estudada com relação à sua etiologia, havendo algumas teorias que possivelmente se somam na gênese da dor. É reconhecida sua relação com ciclos ovulatórios, sendo maior sua incidência na vigência destes. Com a queda dos níveis de progesterona ao final dos ciclos ovulatórios, existe uma maior produção de prostaglandinas diretamente relacionadas à gênese da dismenorréia.


As teorias que se seguem são possivelmente relacionadas à gênese da dismenorréia:


• Espasmo vascular: a vasoconstrição das arteríolas miometriais estariam relacionadas com isquemia, originando dor;


• Espasmo muscular: dor uterina originada da contração muscular exagerada, incoordenada;


• Psicogênica: atitude negativa frente à menstruação;


• Prostaglandinas: baseada inicialmente na terapêutica antiinflamatória que alivia a dor, esta teoria foi demonstrada laboratorialmente pela presença muito maior de prostaglandinas no período menstrual das mulheres dismenorréicas em comparação com as não dismenorréicas. Por sua vez, a dismenorréia secundária pode ter como causa direta vários fatores, tais como: Hímen imperfurado, septo vaginal transverso, estenose cevical, anormalidades anatômicas uterinas, sinéquias uterinas, pólipo endometrial, adenomiose, leiomioma uterino, síndrome de congestão pélvica, endometriose, tumores pélvicos, anexites, hipoplasia uterina, retroversão uterina acentuada, utilização de dispositivo intra-uterino.






DIAGNÓSTICO


A base do tratamento da dismenorréia passa pelo diagnóstico diferencial entre dismenorréia primária e secundária. Seu diagnóstico deve ser inicialmente clínico. A dismenorréia primária usualmente se inicia poucas horas antes ou logo com o início do sangramento. De intensidade variável, pode ou não acontecer concomitante a outros sintomas, como vômitos, diarréia, cansaço, cefaléia ou até episódios de síncope. Não existem alterações dos sinais vitais, aparelho urinário ou intestinal. Na palpação uterina deve-se avaliar tamanho, volume, forma e mobilidade, que se apresentam normais. Não devem existir alterações à investigação clínica anexial, sem massas ou dolorimentos localizados. Na vigência de alterações da secreção vaginal, ou proveniente do colo, massas anexiais ou anormalidades laboratoriais sugestivas de anexite, o diagnóstico de doença inflamatória pélvica (DIP) deve ser excluído. Nos casos de dismenorréia secundária, a dor tende a existir de duas semanas antes até alguns dias após o sangramento menstrual. Seu diagnóstico está relacionado à presença de alterações no exame físico, laboratorial ou de imagem, ou ainda nos casos de falência do tratamento clínico com anticoncepcionais hormonais orais ou antiinflamatórios não-esteróides (AINEs) por um período ideal de até seis meses com adaptações de doses e drogas. Nestes casos, deve ser realizada laparoscopia para abordagem de uma possível desordem cirúrgica. São importantes os diagnósticos diferenciais de dismenorréia secundária, como segue:


Não-cíclico: Aderências, endometriose, salpingo-ooforite, síndrome de aderência ovariana, congestão pélvica, relaxamento pélvico, doença inflamatória pélvica crônica.


Cíclico: Dismenorréia primária e cisto funcional ovariano.


Músculo esquelético: Anormalidades congênitas, escoliose e cifose, espondiloidose, traumas medulares, osteoporose, doenças degenerativas, tumores.


Neurológico: Neuroma.


Genito-urinário: Cistite recorrente, síndrome uretral, cistite intersticial, pólipos ou divertículo ureteral, obstrução ureteral, rim pélvico.


Gastrintestinal: Síndrome do cólon irritável, colite ulcerativa, doença de Crohn, carcinoma intestinal, diarréia infecciosa, obstrução intestinal recorrente, diverticulite, hérnia, angina abdominal, cólica apendicular.






TRATAMENTO


O tratamento da dismenorréia tem como fundamento sua etiologia. A dismenorréia primária pode ser abordada conforme o desejo ou não das pacientes a contracepção. Nos casos de desejo de contracepção, a primeira escolha é a utilização de anticoncepcional hormonal oral, que tem uma eficácia de até 90%. Os antiinflamatórios não-esteróides são as drogas de segunda escolha na abordagem clínica. Sua utilização é limitada pelos efeitos colaterais, sensibilidade à droga ou contra-indicações, que são basicamente relacionadas aosefeitos gastrintestinais. Em uma revisão sistemática da literatura, publicada em 1998, Zhang & Po demonstraram as diferenças entre antiinflamatórios não esteróides. Deste estudo temos as seguintes conclusões:


• O alívio da dor comparado ao placebo foi de 3,17 (IC 95% 2,72-3,65) para naproxeno, 2,41 (IC 95% 1,58-3,68) para ibuprofeno, 2,03 (IC 95% 1,65-2,48) para ácido mefenâmico e 1,60 (IC 95% 1,12-2,29) para aspirina;


• Entre as usuárias de ibuprofeno, naproxeno e ácido mefenâmico houve significativa diminuição da utilização de complementos analgésicos Foi menor o comprometimento das atividades diárias com o uso de ibuprofeno e naproxeno (0,26, IC 95% 0,16-0,42 e 0,71, IC 95% 0,60-0,85, respectivamente);


• Naproxeno foi o único capaz de diminuir estatisticamente o índice de faltas ao trabalho/escola (0,29, IC 95% 0,13-0,66);


• Os efeitos colaterais encontrados tiveram seu RR calculado em 1,45 (IC 95% 1,03-2,04) para naproxeno, 1,12 (IC 95% 0,85-1,47) para ibuprofeno, 0,59 (IC 95% 0,28-1,23) para ácido mefenâmico e 1,31 (IC 95% 0,79-2,17) para aspirina;


Os autores concluem que ibuprofeno é superior aos demais comparados por apresentar boa eficácia com menores efeitos colaterais. A utilização de piroxicam foi demonstrada em alguns estudos, conforme também publicado por Saltveit, em estudo duplo-cego, controlado, que demonstrou eficácia e baixa incidência de efeitos colaterais. A utillização de piroxicam na apresentação sublingual se mostrou também efetiva e com rápido início de ação. Em um estudo com a utilização de cetoprofeno, sua eficácia em doses superiores a 50 e 75 mg foi considerada comparável com naproxeno, e boa sua tolerabilidade. Foi demonstrado por Morrison et al, 1999, em um estudo controlado, duplo-cego, que o efeito do inibidor específico da ciclooxigenase 2 (COX2), com rofecoxib, foi comparável ao efeito do naproxeno no alívio dos sintomas da dismenorréia primária, com boa tolerabilidade. A utilização de vitamina E em dismenorréia primária foi avaliada em um estudo duplo-cego, controlado com placebo, em 2001 e sua eficácia foi estatisticamente significativa, como também foi a melhora no grupo usuário de placebo. Portanto, a vitamina E não pode ser considerada como de eleição para tratamento de dismenorréia. A utilização de antiinflamatórios não esteróides não deve ser feita em pacientes com sensibilidade às drogas, com passado de úlcera péptica ou de sangramento gastrintestinal, por poder promover novos sangramentos ou complicações dispépticas. O tratamento da dismenorréia secundária deve ser feito com foco na nosologia de base, com abordagem cirúrgica ou clínica de acordo com seus próprios critérios.


*Fonte: Projeto Diretrizes - Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia

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